Quando falamos sobre a metapsicologia freudiana, o conceito de recalque se destaca como um dos mais importantes.
Sigmund Freud afirma que o recalcamento é o pilar fundamental sobre o qual descansa o edifício da psicanálise.
O que é recalque?
Podemos definir recalque como uma experiência traumática ou uma percepção que o ego resiste em aceitar para si é reprimida para o inconsciente, sem que o sujeito tenha clareza de que houve esta repressão.
Isto é recalque: um objeto inicial potencialmente doloroso à psique humana é recalcado e torna-se inconsciente.
Isso também ocorre para evitar que o consciente se depare com aquela dor, e evite reviver no presente o incômodo inicial tal como aconteceu e então a consciência se desloca do objeto inicial.
Essa energia psíquica que está no inconsciente não está desfeita.
Ela busca caminhos inusitados para vir à tona, e faz isso por meio de associações das quais o sujeito não tem consciência.
Essa será já uma nova fase deste processo, que podemos dizer que é um tipo de retorno do recalcado.
Entendendo melhor o conceito
O termo recalque tem várias variações terminológicas quando é expresso em outros idiomas.
Em francês, “refoulement”, em inglês “repression”, em espanhol, “represión”. Já em português apresenta três traduções, quais sejam “repressão”, “recalque” e “recalcamento”.
Segundo o Vocabulário de Psicanálise, de Jean Laplanche e J-B Pontalis, os autores optam pelos termos “recalque” e “recalcamento”. Se nos referirmos aos termos “repressão” e “recalque”, observaremos que o primeiro faz referência a uma ação exercida sobre alguém, a partir da exterioridade. Isso ocorre ao passo em que o segundo refere-se a um processo intrínseco ao indivíduo, posto em movimento pelo próprio eu.
Dessa forma, “recalque ou recalcamento” são os termos que mais se aproximam do sentido utilizado por Freud em seu trabalho. Não obstante esta constatação, é necessário ressaltar que o conceito de recalque não prescinde dos acontecimentos externos vivenciados pelo indivíduo. Neste caso, estes aspectos são representados pela censura e a lei.
O que é retorno do recalcado?
O recalcado não fica calmamente reprimido. Retorna a vida psíquica de forma indireta, por meio de associações psíquicas e somáticas, podendo afetar a vida mental e também podendo ter manifestações físicas, como ocorre na histeria.
Essa energia encontra um representante (objeto) alternativo para se tornar visível ou consciente e os sintomas psíquicos como fobias, histerias, obsessões são as formas que mais geram incômodos aos sujeitos, embora também possam se manifestar por meio de sonhos, atos falhos e chistes.
Nesse caso, o que é perceptível (consciente) é chamado de conteúdo manifesto, que é a parte do recalcado que retorna. Por isso, se diz que há um retorno do recalcado.
Por exemplo: um sintoma que o sujeito percebe ou como um sonho que ele relata. O que é recalcado no inconsciente, chamados de conteúdo latente.
Como trazer para a consciência um recalque?
Para entender o que é psicanálise e sua forma de tratamento é importante perceber que o conteúdo manifesto consciente que se manifesta como sintoma é resultado de um conteúdo latente que está inconsciente.
Superar o incômodo demanda compreender esses mecanismos potencialmente inconscientes e elaborar uma interpretação ressignificativa que seja condizente com o ego deste sujeito. Só assim é possível caminhar para uma condição de cura ou melhora.
Sozinho, a pessoa não consegue olhar para si e perceber o vínculo que existe entre o conteúdo manifesto que é perceptível e o conteúdo latente que é inconsciente.
Daí vemos a importância da psicanálise e do psicanalista.
Pelo método da livre associação, psicanalista e paciente irão elaborar hipóteses para se compreender o sistema psíquico e para entender os sinais do inconsciente, a partir das informações trazidas pelo paciente na clínica.
Conceito de recalque na história
Johann Friedrich Herbart foi quem mais se aproximou do termo utilizado por Freud quando se fala em recalque.
Para ele, “a representação, adquirida por meio dos sentidos, é como sendo o elemento constituinte da vida anímica”.
Esse conflito entre as representações, para ele, era o princípio fundamental do dinamismo psíquico.
Em seus escritos, Freud afirma alguns fatos sobre a Teoria do recalcamento por ele promulgada e que seria uma novidade, pois até então não constava nenhum dado sobre essas teorias.
Embora apresentem algumas semelhanças, é importante falar que as teorias não podem ser tratadas como únicas, tanto que Herbart não considerava assim como Freud o fez, ou seja, separou o Sistema Consciente e Pré-consciente.
Herbart também não enunciou uma teoria do inconsciente, e se manteve restrito a uma psicologia da consciência.
O termo alemão “Verdrängung” está presente desde os primeiros escritos de Freud e o recalcamento começa a tomar forma em um momento posterior, ganhando relevância a partir do momento em que Freud se defronta com a resistência.
Para ele, essa resistência representa um sinal externo de defesa, com o objetivo de manter fora da consciência a ideia ameaçadora.
A defesa é exercida pelo Eu, sobre uma ou um conjunto de representações que despertariam sentimentos de dor ou vergonha, e esse termo originalmente foi utilizado para designar uma proteção contra uma excitação proveniente de uma fonte interna (pulsões).
Freud questiona, em seus escritos de 1915: “Por que uma moção pulsional deveria ser vítima de semelhante destino (recalcamento)?”.
Isto acontece porque o caminho para a satisfação desta pulsão pode acabar por acabar por produzir mais desprazer do que propriamente prazer. É sempre necessário termos em consideração, no que diz respeito à satisfação de uma pulsão, a “economia” presente no processo.
Uma vez que uma satisfação que proporciona prazer em um aspecto, pode significar em grande desprazer sob outro aspecto. Tem-se estabelecida a partir desse momento a “condição para o recalque”. Para que este fenômeno psíquico aconteça, é necessário que a potência do desprazer seja maior que a da satisfação.
Podemos concluir que o recalque impede a passagem da imagem à palavra, embora isso não elimine a representação, não destruindo a sua potência significante.
O que o recalque opera não é a eliminação do inconsciente, mas sim a sua constituição e este inconsciente é em parte, constituído pelo recalque.
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